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Sob pressão, a Apple esperneia

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A marca que já foi símbolo de inovação vive uma crise de identidade que tem muito a ver com o atual estado de coisas. Será que ela está pronta para se reinventar mais uma vez? E isso é possível sem Steve Jobs?

Todo dia, o Facebook traz algum momento do nosso passado recente, em sua seção “lembranças”. É estranho como, de tão corrida que nossa vida anda, nossa noção do tempo anda meio bagunçada. Tem coisas que você disse há um ano que parecem uma eternidade. Já outras ditas há 6 anos parecem que foram ditas ontem.

Pois hoje pipocou na minha timeline uma frase de 5 anos atrás, em que eu dizia:

Eu devo ser saudosista, mas sinto falta do tempo em que as grandes novidades da Apple eram inovações em novos computadores, Softwares e Sistemas Operacionais e não o tamanho e a cor do próximo iPhone. Já deu.

Meu diagnóstico devia estar acertado. Anos depois, a Apple, ainda um gigante em vendas, começa a sentir os efeitos de ter se tornado uma marca de luxo, quando todos enxergavam nela uma empresa de inovação. Na verdade, a Apple passou toda a sua história construindo essa imagem. De que era uma marca para quem via as coisas antes de todos. Uma marca que construía tendências. Que chegava antes.

Do lado de lá do ringue, havia a Microsoft. E a Microsoft abarcava o oposto da Apple. Era a empresa que chegava depois. Que copiava. Que esperava o lançamento do concorrente para soltar sua versão do mesmo produto, de forma piorada e cheia de bugs. Steve Jobs e Bill Gates personificaram, nos anos 90 e 2000, a grande batalha nerd da nossa geração.

Os próprios comerciais da Apple da época mostravam isso. O gordinho sem jeito da Microsoft contra o carinha cool da Apple. Os micros coloridos e lindos da Apple contra os feiosos e beges PCs. As tentativas da Microsoft de encontrar um sistema no nível do impressionante OS da Apple.

De um lado, os nerds sem jeito da Microsoft, dançando como idiotas no palco do lançamento dos produtos. Do outro, Steve de gole rolê preta em seus Keynotes, cada vez mais adorado.

Inovação era o padrão

Talvez o grande pulo do gato de Jobs tenha vindo quando ele começou a fazer valer sua visão de como a tecnologia se expandiria para nossas vidas além da tela do computador. Quando lançou o primeiro iPod. Quando simplificou a operação dos iMacs ao máximo. E enterrou de vez a concorrência quando mostrou ao mundo o primeiro iPhone. Chegou a um ponto tal, que uma consultoria avaliou que, se a Apple lançasse um produto chamado iCoisa, e que vendesse sem que ninguém soubesse o que era, venderia igual água.

Gates, por outro lado, deve ter tido momentos difíceis. Tentou emular a maçãzinha em sistemas desastrosos como Windos ME, lançou bombas como o Zune e o Windows Phone. E por fim, resolveu sair da posição de CEO da sua própria empresa.

E então, a Apple reinou, e reinou bonito. Lançou um objeto de desejo atrás do outro. Imacs passaram por 3 designs diferentes, um mais lindo que o outro. Iphones foram ficando mais e mais completos. Com câmeras cada vez melhores, telas mais impressionantes, funções cada vez mais complexas. Mais do que isso, a Apple criou um novo mercado. A venda de Apps catapultou a companhia para a primeira colocação em valor de mercado.

Mas o sucesso sempre tem um preço, e parece que a Apple ficou viciada na Apple. Além disso, a prematura morte de Jobs não ajudou em nada.

Mudança de eixo

Tim Cook nunca teve a mesma visão que seu antecessor. Foi habilidoso em segurar a marca até aqui, mas já faz tempo desde que a companhia deixou de fazer os queixos do mercado caírem com algum produto tirado dos nossos sonhos. O que ocorreu, sim, foram dúzias de novos iPhones e iPads: maiores, menores, com mais câmeras, com mais tela, com menos notch. E caros. Muito caros.

A base da empresa foi esquecida. Sua relação com criadores e inovadores, que sempre foram seus melhores evangelizadores, deixada para segundo plano, enquanto a empresa buscava associação com celebridades. O sujeitinho bacana que aparecia nos comerciais tirando um sarro do gordinho nerd da Microsoft não exatamente combinava com a horda de desesperados tentando por as mãos no primeiro iPhone no dia do lançamento, nem com viciados em selfies na frente do espelho.

Enquanto isso, a concorrência mudou. A Google e seu Android correram por fora, com a vantagem de não estarem restritas a uma marca de aparelhos. O Android se espalhou por todo e qualquer dispositivo, dos celulares às TVs.

A Amazon expandiu seus tentáculos para a nuvem, criando um ambiente robusto e investindo em dólares recorrentes, ao invés de estar presa a um modelo de vendas.

A Microsoft, quem diria, mudou silenciosamente. Soltou sistemas mais elogiados. Investiu em inovação. Diversificou. Entrou no mercado de games desacreditada, e fez bonito. Fugiu do padrão de grandes eventos com grandes anúncios, e pulverizou seus lançamentos, de forma que os fracassos de público (e eles existiram) não tivessem o mesmo impacto do passado.

O mercado ganhou caras novas. Netflix e Spotify entregaram mais, melhor e mais barato do que o iTunes. Serviços de nuvem pipocaram de forma consistente, todos mais eficazes e mais baratos que o iCloud.

E para piorar o cenário da Apple, os Chineses aprenderam a fazer celulares. Marcas que nem estavam no radar, de repente começaram a incomodar, e foi muito rápido. Huawey, Xiaomi, OnPlus e outras marcas conquistaram o mercado Chinês, onde a Apple reinava, com produtos de qualidade, inovação e, muito importante, preços bem menores.

Resultados sem novidade

O resultado não poderia ser outro. As ações da Apple caíram com rapidez. As projeções para o futuro não apontam em direções muito melhores. Analistas colocaram os papeis da Apple sob dúvida. O mercado já não é mais o que era antes do lançamento do iPhone. Tudo é muito rápido, tudo é instantâneo.

Na semana passada, a Apple resolveu mostrar sua reação. A julgar pelo anúncio, deve ter sido decidida numa reunião na terça feira anterior. Porque, após mais um evento que contou com telas maravilhosas e muito glamour, tudo que o mercado tinha eram dúvidas.

A empresa mostrou seu novo serviço de notícias, cheio de novas publicações, que entrou no ar custando dez dólares mensais, em uma época que as pessoas brigam por informação gratuita. Lançou seu Apple TV +, que basicamente é o Netflix pra chamar de seu. Para provar a relevância do seu serviço, trouxe ao palco Steve Spielberg e Oprah Winfrey, e anunciou outros nomes de peso como criadores exclusivos para seu canal. Anunciou que terá uma plataforma de games, mas não conseguiu explicar qual é realmente o diferencial dela.

E pontou novamente que se preocupa com a privacidade de seus assinantes, e que não usa nenhum dado deles para publicidade.

A sensação, pelo menos para mim, é de desespero e correria. O serviço de streaming era esperado pelo mercado. Está atrasado, e vai brigar com concorrentes com mais expertise, como a Netflix, e de mais peso, como a Disney. Spielberg e Oprah são nomes bons, mas no atual cenário, não imprescindíveis nem decisores. A plataforma de games não ficou clara. No que exatamente difere do que temos atualmente?

Não sabemos preço nem data de lançamento. Não sabemos o quanto os sistemas serão fechados. No dia seguinte já quase não se falava nisso.

É um grande megalançamento inócuo.

Outros lados

Enquanto isso, os micros da Apple bateram à casa do inconcebível em matéria de preços. Vídeos e mais vídeos de youtubers que falam de tecnologia aconselham a troca por opções da concorrência, com mais recursos, mais processamento, e mais baratos. As atualizações do sistema da Apple são quase todas cosméticas. Johny Ive, o incensado designer preferido de Jobs, anda sumido.

Quando Steve Jobs morreu, deixou no ar a promessa de diversos produtos inovadores que estaria trabalhando. Uma revolução automotiva, uma revolução televisiva, uma nova revolução computacional. Se é verdade que esses planos existiam, ou eles demoraram demais a serem liberados, ou foram atropelados pela inovação de verdade, já que Smart TVs e carros autodirigíveis são realidades, que não parecem precisar da Apple para evoluírem.

No mercado de inovação, perder o passo tem um custo grande. Ser o segundo, maior ainda.

Não se deve enxergar a Apple como carta fora do baralho. Uma empresa desse tamanho tem muita gordura pra queimar e tentar dar a volta por cima. A Apple têm o DNA da inovação, mas parece ter perdido o mapa para esse caminho.

Talvez o caminho nem seja esse, e o destino da empresa seja ficar ao lado de Louis Vuittons, Guccis e Pradas, num Olimpo de marcas premium, onde pessoas pagam 20 vezes mais por um produto, apenas para exibir seu logo. Não me parece que os ventos da modernidade soprem nesse sentido, mas não deixa de ser uma aposta.

 

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