O turismo gera aos Estados Unidos basicamente uma reforma da previdência por ano (US$ 247 bilhões, em números de 2017). Rendeu 3 milhões de postos de trabalho na França. Levou 11 milhões de pessoas à Croácia, que é basicamente do tamanho da Paraíba.
Aqui no Brasil, o turismo exterior movimenta cerca de cinco milhões de pessoas por ano. Quer uma comparação? O Coliseu de Roma (a localidade, não a cidade), trouxe sozinho, quatro milhões.
É um setor pra lá de estratégico, para qualquer país. Gera divisas rápido, emprega gente de todas as classes sociais, age localmente, e se bem feito, agride pouco o meio ambiente. Com números assim, era de se esperar que fosse tratado com extremo cuidado. Como uma joia mesmo.
Especialmente se você é um país em desenvolvimento, com uma extensão absurda de praias paradisíacas, cachoeiras em profusão, mata nativa única no mundo, um clima pra lá de favorável o ano todo, e nenhuma incidência de terremotos, nevascas, furacões ou terrorismo.
A dura verdade
A realidade, porém é que o Brasil nunca conseguiu arranhar o potencial que qualquer idiota vê que tem nesse segmento. Todo governo promete cuidar do turismo, mas quando senta na cadeira, coloca alguém sem a menor expressão pra cuidar da pasta. Turismo acontece quando o governo permite o empreendedorismo, ao mesmo tempo que age de forma estratégica para proteger aquilo que o país tem a oferecer, com o patrimônio histórico cuidando dos locais históricos e o meio ambiente preservando o inestimável valor de biodiversidade que temos.
O Governo Bolsonaro vem dando indícios que entende pouco ou nada do setor. Para o presidente, o órgão precisa abrir as pernas para grupos internacionais explorarem de qualquer forma nossas belezas, montando resorts gigantes cravados em qualquer praia deserta que se apresente. O meio ambiente deve sair da frente, permitindo todo tipo de caça de nossos animais, e liberando santuários ecológicos para uso dos turistas. E de preferência, que recebamos turistas homens interessados nas nossas mulheres, já que Bolsonaro já deixou claro que não quer que o Brasil seja o “paraíso do turismo gay”. Mesmo sendo um dos setores que mais cresce e gasta no mundo.
A última pedrada no setor veio ontem, na forma da nova marca do país no exterior, revelada pela Embratur.
Tragédia de erros
Estando a tanto tempo na área, eu costumo ser bastante cauteloso ao avaliar trabalhos alheios, mesmo os mais polêmicos. Normalmente existem dados e objetivos que as empresas pretendem alcançar que normalmente não temos acesso. E saber disso faz toda diferença.
Mas no caso do logotipo em questão, até por ser um trabalho público, os dados estão abertos. E saber os dados piora mais ainda a situação.
O caso é que a peça é tão grotescamente amadora que é difícil encontrar um aspecto em que ela funciona. Do ponto de vista estético, estilístico ou formal, ela falha tão completamente, que parece que foi feita com o intuito de ser errada. Eis a maldita:
Erro interno
De acordo com a assessoria de imprensa do órgão, a marca foi desenvolvida por servidores internos da Embratur, o que geraria economia. Alguns pontos a destacar nesse quesito:
1) Realmente parece uma marca feita por servidores internos, talvez do almoxarifado.
2) A tão falada economia é extremamente discutível. Se eu gasto 1 centavo em algo que não me gera nada, gastei um centavo. Se gasto R$ 1 milhão em algo que me gera R$ 2 milhões, ela saiu mais barato que a primeira.
3) Difícil acreditar que alguém que não consegue escolher seu próprio terno consiga escolher uma marca para um país. De certa forma, a marca está perfeitamente casada com as duas figuras sorridentes ao lado.
Mais difícil ainda de entender é o porque da mudança, já que o país já tinha uma marca produzida recentemente, que inclusive era bastante adequada, passando conceitos importantes para o país, como pluralidade, diversidade, arrojo e modernidade:
Os problemas
Não é fácil fazer uma lista de todos eles. O primeiro, e mais gritante, é que a marca é feia, pura e simplesmente. Mas como eu sempre repito, feio e bonito são conceitos relativos. O importante é a marca atender aos objetivos. Por isso, vou tentar me ater a eles.
- É óbvia. Usar a bandeira do próprio país revela uma pobreza de repertório que chega a doer. Todo país já tem uma bandeira, e ela não foi produzida com o intuito de trazer turistas para cá. Uma bandeira quer mostrar a pujança, a soberania, a grandeza, e em última análise, deixar possíveis estrangeiros fora das suas terras.
- Tecnicamente amadora. Todo designer está reparando na fonte mal desenhada, nos kernings problemáticos e no esquema cromático pobre.
- Direção perigosa. O slogan usado para promover o país é de uma dubiedade estranha, pra não dizer mal intencionada. “Visit and Love Us” sendo usado em um país que precisa desesperadamente se livrar da imagem de turismo sexual é de uma burrice exemplar. Ainda mais quando o presidente solta em entrevista que ““quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade”.
- Subserviente. A escolha do Brasil escrito com “Z” não é feliz. O México não se apresenta como “Mérrico”, nem “Mécsico”. A Argentina nunca foi “Arrentina” fora de seu país. Estou longe de ter uma visão purista ou ufanista do nosso país. Acho mesmo que qualquer tipo de má vontade contra americanos é um caso de visão estreita mesmo. Mas isso, vindo de um órgão oficial, passa do limite.
- Falta propósito. O que quer esse país? Ser amado? O que tem a oferecer? Que povo se esconde atrás dessa bandeira? A comunicação nem mesmo tenta responder essas perguntas que, para mim, são as principais em um projeto desse porte.
- Parece outra coisa. Eu não sei vocês, mas quando eu olho, não consigo não lembrar disso:
No mundo
As marcas criadas para promover países são geralmente peças de design bonitas. Existe razão para isso. Para um estúdio de design, é um deleite trabalhar com temas ligados à cultura, à belezas naturais, ao povo. Em trabalhos mais “comuns” o comunicador precisa se virar em traduzir conceitos muito mais mundanos, como objetividade, assertividade e solidez.
É um trabalho disputado por agências, e que serve como uma eficiente vitrine, mesmo em países com ofertas de atrações substancialmente menores do que o Brasil pode(ria) mostrar.
Conclusões
As promessas continuam sendo feitas, mas no momento da execução, o amadorismo, a pressa, as necessidades políticas falam mais alto do que as possibilidades que o setor oferece.
Mais uma oportunidade perdida.
Acharia válido apresentar uma análise de construção e colorização da marca. Mostrem pra gente como deveria ser ou quais pontos do design poderiam ser aproveitados na construção desse branding.
Parabéns pela análise. Realmente é um setor pouquíssimo valorizado pelo governo, que reflete em todas as formas de divulgação.
De boaa… olhei a logo da USA e chegou a me arder os olhos…
gostei mais dessa nova logo, vocês que tem mau gosto..
Materia tendenciosa, feita só pra criticar. Nao mostra o outro lado da moeda, nao houve opinioes de especialistas, nao houve quem a fez. Concordo com o Alex e Wander, voces que sao pessimos.