Quando se fala em gestão de marca, algumas empresas vêm sempre na dianteira. Goste ou não goste da marca, qualquer profissional da área tem que reconhecer que, de uns tempos para cá, a Apple tem sido impecável na condução de sua marca. Não é a toa que chegou onde chegou.
Boa parte desse sucesso se deve ao perfeccionismo e dedicação quase insanos de Steve Jobs. Com ele, a Apple imprimiu na mente de milhões de pessoas uma imagem de empresa inovadora, que produz produtos bonitos, simples e duráveis. Os conceitos de estética e usabilidade de Jobs estiveram impressos profundamente em cada peça dos produtos da empresa. Mais do que isso. Ele conseguiu criar uma linguagem para apresentar esses produtos. Seus keynotes se transformaram em acontecimentos relevantes para toda a indústria.
Cada vez que Steve Jobs anunciava que subiria ao palco para fazer algum anúncio, fãs, repórteres e a concorrência paravam de respirar. Qual seria o coelho que o homem tiraria da cartola? Qual o tamanho do gol?
Bom, como todos sabem, Jobs se foi. E deixou a ingrata tarefa de substiuí-lo para Tim Cook. Que tem se esforçado para manter a bola em jogo.
Mas não é fácil andar usando os sapatos de outra pessoa.
O último evento da Apple, onde apresentaram o esperado iPhone 5, foi o mais decepcionante dos últimos tempos. Dizer que um evento que movimentou sozinho a imprensa do mundo todo e que gerou a compra de 5 milhões de aparelhos logo após foi um fracasso seria uma afirmação de maluco. Na verdade, o evento apenas acendeu uma luz amarela, que se a Apple tiver juízo, já deve ter percebido.
A verdade é que a Apple tem muito gás pra queimar. Mas o posto que ocupa atualmente é muito dificil de manter. E perder a liderança a essa altura do campeonato pode significar perder o segundo lugar também, rápidamente. Pergunte a empresas como a Nokia, Motorola e Microsoft, que já estiveram lá, e que hoje lutam para recuperar a imagem que tiveram. Algumas apostas erradas e anos de trabalho podem ir para o ralo, de uma hora para outra.
Quais são os sintomas?
Quando se trata de uma marca já estabelecida, raramente uma doença é tão fulminante que leva a morte instantânea. É um processo lento, que começa com poucos indicativos, mas que se entra em larga escala, contamina toda a organização.
Por enquanto, são leves mudanças no cenário. Mas se a Apple desmerecê-las, pode pagar um preço alto:
O Custo da Expectativa
A Apple vem surpreendendo sempre, em todas as suas apresentações. Quando não era uma coisa, era outra. Quando seu celular não chamava a atenção, um componente de software o fazia. Quando não tinha um produto novo, mudava radicalmente um antigo. Não foi o que ocorreu desta vez. Apresentaram um iPhone que tem pouca coisa de novo. São mudanças incrementais que, fora o tamanho da tela, não justificariam um auê tão grande. Mais grave, o produto final é nitidamente inferior ao seu concorrente direto, coisa que não é comum na empresa.
O que deveriam ter feito? Não lançado o produto?
Não creio. Muito tempo sem um produto novo no mercado não combina com a aceleração da tecnologia de hoje. Talvez mais acertado seria lançar de maneira mais contida, num evento menor ou talvez direto para as prateleiras. Mesmo que o nome não fosse um iPhone 5. Que soltassem o produto com o nome de 4S alguma coisa.
O próprio iPad passa por um problema parecido. A última versão do tablet apresentou muito poucas novidade além da linda tela retina display.
Ao longo do tempo, a Apple acostumou o mercado com apresentações grandiloquentes e anúncios espetaculares. Manter o monstro da expectativa sob controle, exceder as previsões não é algo que se consegue facilmente.
A Apple não é só iPhone
O mercado de celulares mudou depois da chegada do iPhone. Mas a Apple já vinha numa curva ascendente antes dele. Com os iMacs, Macbooks e com os softwares, ela sempre surpreendeu.
O Mac OsX é, pelo menos para mim, um marco no lançamento dos sistemas operacionais. Me lembro como se fosse hoje da cara de espanto da plateia ao ver os ícones que pareciam gel, as janelas que se contraíam para expandir a velocidade absurda do sistema, quando vi a apresentação pela primeira vez, num evento.
Já se passaram 11 anos desde esse lançamento, e ainda estamos na mesma versão 10 do aplicativo. Lógico, ele foi muito melhorado, mas a essência é a mesma. E o Windows 8 (deixando claro, não vi ainda como ele se sai no dia-a-dia de uma empresa) tem mais cara de novo. Cheira a novidade, traz soluções diferentes.
Os iMacs não mudam grande coisa há algum tempo também. Por um lado, para proprietários desses micros, é bom, poisé um sinal que eles sobrevivem bem à política de obsolescência programada que a própria Apple usa em seus outros produtos. Mas para o mercado é uma grande âncora. E dá a impressão de que os esforços da companhia estão todos em outra área.
Meu bem, meu mal.
Por fim, um problema controverso.
Ao longo dos anos a Apple construiu um público que toda empresa gostaria de ter. Fiel, apaixonado, pronto para defender sua paixão pelos produtos como se fosse uma religião.
Durante um bom tempo, esse publico foi identificado (e ajudado pelo marketing da própria empresa) como sendo pessoas sofisticadas, tranquilas e descoladas. A campanha da Apple trazia um sujeito ultra cool usando os produtos Apple em contrapartida com um gordinho trapalhão, que era a síntese do usuário de PC.
Enquanto esse público esteve em minoria, foi fácil, e até salutar, manter esse estereótipo. O usuário sentia-se como parte de um clube. Como se fosse um dos poucos escolhidos para partilhar um segredo muito importante.
Quando a maioria do público passa a se sentir assim, a história vira. Todo mundo que comprou um iPod, um Iphone, um iPad ( e não foi pouca gente ) passou a se sentir possuidor por direito do rótulo de MacLover.
Enquanto os aparelhos apareciam nas mãos de designers, icones da moda, escritores e “formadores de opinião”, era bacana carregar esse rótulo. Agora, me parece que lentamente, está deixando de ser…
Pagar mais um aparelho quase igual ao anterior? Não é cool.
Dormir na fila para ser o primeiro a comprar um celular que vai custar 99 dolares daqui há um ano? Definitivamente não é cool.
Processar a torto e a direito companhias que estão fazendo produtos legais apenas por motivos comerciais? Nem um pouco cool.
O rótulo de Apple User tem perdido o brilho. Alguns usuários antigos estão preferindo se mostrar abertos a outras marcas do que ostentar títulos como Macfag ou coisa pior.
A concorrência já sacou isso, e está se movendo de maneira diferente. A Samsung está apostando na comparação direta (os anúncios do Galaxy S3 são excelentes), na integração que pode oferecer por ser uma empresa que produz produtos tão distintos e na abertura que o sistema Android oferece para contra atacar. Além disso, como a Samsung lança seus produtos sem muito estardalhaço, algum fracassos no caminho não são percebidos como “bolas fora”. O Galaxy Note, que eu jurava que não funcionaria, caiu nas graças de uma parcela da população. Não me lembro de um evento feito somente para promover esse produto.
A Microsoft está construindo um público absurdamente envolvido com sua plafatorma do Xbox Live. Gente que se loga todos os dias, se relaciona de um modo inédito e resolve vários problemas na frente da TV. Não se assuste se a plataforma chegar ao mobile de alguma maneira muito diferente em pouco tempo.
O Google vem sendo visto como um inimigo pela Apple, e faz questão de fingir que não percebeu. Devem estar rindo de uma orelha a outra com as reações negativas ao sistema de mapas da Apple. Seu Google Plus, no começo visto como uma piada, vem aumentando consideravelmente. Quem sabe o que o futuro reserva. Eles, como a Samsung, não tem medo de colocar no ar algo em modo beta, testar, e se não der certo, arrancar de lá.
Talvez a Apple precise se lembrar um pouco do seu espírito de empresa que nasceu na garagem. Que preferia ser pirata do que bucaneira. Que experimentava.
A Apple não precisa ter medo de suas falhas. Precisa é reaprender a errar.