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Assuma sua parcela de culpa na destruição do Museu Nacional. Ou viva para ver o próximo cair.


Enquanto o Museu Nacional do Rio de Janeiro queimava, eu estava, alheio, assistindo a um filme na TV. O filme era o Ocean’s Eight, sobre um grupo de mulheres que resolve roubar uma joia durante um jantar no, vejam a coincidência, Metropolitan Museum, em Nova York.

A trama girava em torno das peripécias necessárias para realizar a proeza, já que a segurança do Museu seria o que há de mais moderno no mundo. Até que ponto isso é verdade eu não sei. O que sei é que o Metropolitan abriga uma coleção multimilionária, e aparentemente, ela permanece em segurança.

Foi só desligar a TV para levar o tapa da vida real com força na cara. O Museu Nacional estava destruído.

Para ser sincero, ele seria mais próximo do Museu de História Natural de Nova York, mas a comparação pra mim foi inevitável. Nosso desprezo com a história é tão grande, que nem alvo de ladrões o museu foi. Para todos os efeitos, nada do que havia ali tinha valor pra ninguém.

O choro da internet alcançou decibéis de pista de aeroporto, mas não conseguiu calar a verdade que grita nas consciências de todos: o Museu queimou porque o brasileiro não está nem aí pra ele ou para o que ele representava. E sim, isso inclui você e eu.

Ontem foram irremediavelmente perdidos tesouros insubstituíveis não só para o Brasil, mas para o mundo inteiro. O descaso com esse museu deveria ser considerado um crime contra a humanidade.

Mas a situação que o Museu Nacional estava não é uma obra que se alcança assim, em alguns anos. É fruto de uma vida de desprezo nacional por tudo aquilo que ele abrigava dentro de seus muros. Seu cadáver carbonizado esfrega em nossas caras o quanto nunca demos a menor pelota pra ele.

As vozes indignadas que se levantam em momentos de tragédia já começaram a cerimônia de apontamentos de dedos: a culpa é do governo, é do Crivella, é do funcionalismo, é da exposição Queermuseum. A culpa é de todos, menos nossa.

O mais provável é que essa culpa caia um pouquinho sobre os ombros de cada um dos citados acima, mas o desinteresse que o museu despertava não deixa dúvida: o Museu estava em estado de penúria porque ninguém encontrava VALOR nele. E isso é resultado de uma terrivelmente amadora gestão de marca.

Uma marca que fosse moderna, interessante, necessária. A marca da cultura.

Nossas classes mais favorecidas normalmente sabem o valor de um museu. E sempre que podem, fazem questão de visitá-los: em Nova York, na França, em Berlim. É praticamente impossível encontrar qualquer adolescente que tenha visitado Paris sem fazer a pergunta: “Você viu o Louvre?”.

Quando em águas nacionais, no entanto, esses mesmos turistas não fazem a menor questão de dar uma passadinha no próprio passado. Mas antes da crítica ficar parecendo uma ode à luta de classes, é bom que se pense nos porquês desse comportamento. E o principal deles é que estes Museus conseguiram fazer com que suas marcas sejam tão fortes que conhecê-los é uma experiência quase obrigatória para quem visita suas cidades. São parte indissociável dos cardápios culturais de seus entornos.

Pegue como exemplo o Metropolitan, que conseguiu revampear sua marca e hoje é conhecido como The Met. A instituição é amada pelos Novaiorquinos, faz um mix ultrainteressante de eventos culturais no sentido clássico da palavra, como exposições de pinturas e esculturas, mas também é usado como palco de eventos culturais que movimentam o cenário e atraem atenção.

A própria gestão financeira dos museus americanos mostram o quanto estamos atrasados. Mesmo sendo instituições sem fins lucrativos, os aportes de recursos governamentais não são nem de longe o grosso dos ativos. Para se ter uma ideia, de acordo com seu relatório anual, mais de 30% dos ativos do Met vêm da venda de mercadorias em suas lojas. Outros 30% vêm de doações de empresas e pessoas. Daí soma-se os programas de membros, dinheiro da entrada, o valor que cobram para manter obras de particulares, e a própria gestão financeira em mercados de ações. É uma instituição auto-sustentável.

Navegue 10 minutos pela internet e pode-se descobrir situação similar em diversos museus no mundo, seja no Guggenheim, no Louvre, no Museu Van Gogh. Todas são marcas modernas, antenadas e muito visitadas.

Aqui, reclama-se muito que as empresas preferem doar seus caraminguás extraídos por meio de programas de renúncia fiscal para remontagens de espetáculos da Broadway e Circos Canadenses. E é uma crítica válida, mas me digam: quem teve o trabalho de transformar nossos Museus em marcas sexys o bastante para que um banco veja vantagem em colar sua marca à deles?

Quem fez um projeto realmente interessante de revitalização do patrimônio histórico como algo vivo, vibrante, parte de nossas vidas? Acreditem: é possível. Quando empresas resolvem investir em “Museus do Amanhã”, os transformam rapidamente em pontos de referência na cidade. Mas a visão um tanto tacanha do bem difuso como algo que deveria ser santificado e mantido longe da mão da iniciativa privada, como algo virgem que se transforma em sal quando gera lucro tem afastado toda uma geração do interesse em qualquer coisa que venha rotulada como “cultural”.

E daí, perdemos, todos os anos, acervos culturais inteiros em qualquer cidade brasileira, com seus centros de cidades estuprados por obras sem critério estético, com seus prédios históricos largados às traças por falta de incentivos para que as reformas respeitem padrões históricos, com nossas estátuas cedendo ao peso de anos de cocô de pombo, com nossas praças servindo como dormitório para mendigos e pixadores.

Segue aí um aviso: o Museu do Ipiranga, outro prédio importantíssimo e lindo, segue fechado, sem data para reabertura, com parte de seu acervo transportado para locais com visitação quase zero, e que só não teve o mesmo destino de sua contraparte carioca por sorte.

O descaso com a cultura e com a educação é um projeto iniciado há décadas. O interesse da sociedade retornará no momento em que oferecermos para ela aquilo que se busca em qualquer relação da humanidade.

VALOR.

Existe valor dentro de nossos museus. Valor cultural. Valor humano. Valor de entretenimento. E nós só vamos conseguir passar esses valores quando mudarmos os paradigma da forma de “vender” esses valores para o povo.

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